
Sou Luciana Guimarães Vilas Bôas, 48 anos, formada em direito. Atualmente, trabalho como artista. Sou filha de Carmen Lúcia Guimarães Vilas Boas e Hugo Vilas Boas e tenho quatro irmãos - Andréa, Cristiane, Márcia (minha irmã gêmea) e Hugo (o Huguinho).
Minha mãe é uma pessoa muito acomodada, simples, o oposto do meu pai, exuberante e inquieto. Ele adora sair, viajar, conversar; ela adora ficar quieta no sofá, em silêncio. Juntos se completaram e se compensaram. São pessoas muito generosas, que sempre dedicaram o próprio tempo para ajudar as pessoas que precisavam (parentes, amigos, vizinhos ou desconhecidos que apertavam a campainha), com ajudas materiais e de todo outro tipo.
Dedicaram-se muito aos meus avós paternos e a nós filhos: minha mãe passou a vida cozinhando para nós (tudo feito em casa!), nos acudindo, enquanto meu pai se ocupava de nos distrair com brincadeiras, conversas e nunca deixou que nos faltasse algo. Construíram coisas importantes para a nossa família, mas também para a cidade de Guaxupé. Impossível para mim não mencionar que o nome do meu pai está dentre os nomes dos fundadores da nossa Cooxupé, hoje a maior cooperativa de café do mundo, lugar onde cresci e brinquei como se fosse o fundo da minha casa.
Sobre os meus irmãos, somos como “os dedos da mão”, como diz a nossa mãe, ou seja, somos diferentes um do outro. Até mesmo nós gêmeas temos muito pouco em comum sob o aspecto psicológico, apesar da semelhança física. Obviamente, por ser minha gêmea, com a Márcia tive laços mais apertados do que com os outros irmãos, pois compartilhamos quase todos os dias e momentos de nossas vidas, até o dia que eu decidi dar o meu “grito de independência “ e vir para a Itália sozinha. Confesso que tenho sentimentos pelo meu irmão, não sei qual adjetivo usar, usarei “especiais”, em relação às irmãs, que não ficarão enciumadas porque elas também sentem um amor diferente por ele. Acredito que seja por ele ser bem mais novo que nós e, sobretudo, ser realmente uma pessoa especial, pois ele é melhor que nossos pais e todas nós juntas. Se a missão dos pais é criar e crescer pessoas melhores que si próprios, os meus pais conseguiram, certamente, com o Huguinho.

Com quatro irmãos, dezenas de primos e muitos amigos, minha infância em Guaxupé foi ótima e só me deixou boas lembranças. Adorava os finais de semana na roça, andar à cavalo (herança do vô Paulo), brincar de pique de esconde-esconde no cafezal, fazer pamonha, caçar vaga-lumes de noite e várias outras coisas que continuarei a elencar sem um ponto final. O Clube de Campo! As pracinhas da Aparecida e do Rosário! A emoção da coroação! Nossa! Quantas lembranças !
E podíamos andar a pé ou de bicicleta pra todo lado, jogar bola na rua, ir pra casa dos amigos quando quiséssemos. Na minha infância fui livre e feliz!
A minha adolescência não foi feliz como a minha infância por causa dos problemas de saúde da minha irmã gêmea. Foram anos difíceis, de muita preocupação e tive que virar adulta de um dia para o outro, sendo pai, mãe, enfermeira e médica dela. Fui obrigada a fazer sacrifícios e renúncias que marcaram a minha vida, mas que salvaram a dela.
Por outro lado, a adolescência é de qualquer forma um período de grandes emoções, de novas descobertas e quem cresceu em Guaxupé naqueles anos tinha diversão garantida durante as férias, feriados, carnavais e bailes que não existem mais e me deixaram muita saudade, assim como as pessoas que fizeram parte da minha vida naquele período. Lembro-me como era bom ir na Alice, a nossa costureira e mãe da minha amiga Joelma Torres, para fazer vestidos para os bailes e fantasias de carnaval.
Estudei no colégio Dom Inácio. Tenho muitos amigos e lhes quero muito bem. Com alguns estudei a vida toda até que a universidade nos separou, como a Andrea Cerdeira (quase uma irmã para mim), a Daniela Barbosa, a Karla Farah e o Tiago Elias. Temos um grupo de WhatsApp da turma do Dom Inácio e procuramos nos manter em contato virtualmente, já que a distância física nos separou. Devemos isto à Aline, do Valdosul!
Todavia, as minhas melhores amigas da adolescência são as amigas das minhas irmãs mais velhas porque nós gêmeas fomos precoces e saíamos com elas. Éramos muito amigas da Ana Cláudia Cruvinel, da Nara e Ana Paula Nehemy, da Renata Lessa, da Karina Furlan e não posso me esquecer da minha adorada Fabiana Raggi, entre muitas outras pessoas.
Assim como não me esqueço de todos os meus professores que me instruíram e ensinaram, cada qual com o seu jeito, a ter método, disciplina, dedicação e amor pelo aprendizado. Cada um deles compõe o que sou hoje, como um quebra-cabeça. Se faltasse uma única peça eu seria incompleta. Porém, quero citar a Dona Mariinha e a Dona Aparecida Paiva que me alfabetizaram no grupo Barão, a Marta Melo que me ensinou a tocar piano e a Mara Borges, que me ensinou a nadar e a amar o barulho do silêncio da água.
Formei-me em Direito no Mackenzie, em São Paulo, em dezembro de 1998. Foi um curso enriquecedor, principalmente pelas pessoas que conheci na faculdade e carrego comigo até hoje. Tenho amigas que vão me abraçar até no aeroporto! Em seguida, depois de ter passado no exame da OAB, continuei os meus estudos na Universidade de Direito de Florença. Consegui o título de advogada italiano em 2006.
Moro há quase 25 anos em Florença. Como o exemplo que tive de vó, mãe e tias, dediquei-me à família desde quando me tornei mãe. Casei-me na Itália com o Dario (leia-se Dário) em 2002 e tenho um filho, o Diego, de 16 anos. Decidi vir para a Itália depois de ter assistido uma palestra de um professor italiano, sobre os Direitos do consumidor na internet. Naquela época, no Brasil nem se pensava no quão importante fosse preparar-se para o e-commerce. Eu tinha a cidadania italiana e uma amiga que morava em Florença, que facilitaram o lado burocrático e logístico da viagem. No final das contas, acabei me matriculando na faculdade de Direito de Florença e nunca fiz o curso pelo qual vim parar na Itália. Mas, mais que tudo, eu tinha a necessidade de fazer uma viagem sozinha, de encontrar o meu caminho individual e foi o que eu fiz. Aqui aprendi que tudo é relativo: a cultura, a religião, a política etc que seguimos depende, exclusivamente, do lugar onde nascemos e crescemos. Assim, aprendi a ter mais respeito pelas pessoas diferentes de mim e a aprender com elas o que eu não sei. Aprendi a esquiar , a nadar no mar aberto e a observar a lua que cresce ao contrário. Aprendi que a comida mediterrânea é a mais saudável e melhor do mundo, mas que morro de saudades do pão de queijo de Guaxupé.
O meu percurso profissional foi interrompido, como lhes disse antes, pela maternidade e não pude retomá-lo porque fiquei doente, tive câncer de mama, o quê me desencadeou uma série de outros problemas de saúde importantes. Durante esses anos, tive tempo para desenvolver o meu lado criativo e me aproximei à arte, mas só para mim, como passatempo. Comecei a usar as rolhas das garrafas de vinho do restaurante do meu marido para realizar os meus trabalhos. Descobri um talento escondido pelas escolhas que fiz no passado, pensando nos outros e não em mim. Apliquei na minha atividade artística a minha paixão pelos quebra-cabeças e hoje realizo trabalhos encaixando e colando pedacinhos de rolhas. Agora que estou melhor de saúde, que minha irmã gêmea e meu filho não precisam mais de mim como antes, decidi seguir a carreira de artista.

Estou muito no começo do meu percurso profissionalizante, mas em pouco tempo já obtive muitas satisfações, com uma obra premiada e a vitória de um concurso internacional. É um mundo maravilhoso, contudo, não é diferente de outras profissões sob o ponto de vista da concorrência. Acredito que seja mais difícil do que o mundo do direito que abandonei. É como querer ser jogador de futebol: só quem tem um verdadeiro talento e sorte consegue se distinguir e ser notado entre milhões de concorrentes. Ainda que eu tenha talento e sorte, não são suficientes para que eu possa participar de eventos importantes como, por exemplo, uma bienal. É necessário haver um currículo que demonstre um percurso de instrução artística, além das experiências em exposições. Logo, começarei a estudar de novo porque quero melhorar a cada dia. Tenho muitos projetos e sonhos ambiciosos a serem realizados.
O maior deles é poder um dia expor as minhas obras no Brasil.
Meus pais e família são os alicerces da minha trajetória de vida. Com eles aprendi aquilo que mais me serviu no meu percurso: aceitação, capacidade de renunciar e “a arte de sorrir cada vez que o mundo diz não” (trecho da música Quem me chamou de Maria Betânia, a qual meu pai me fez escutar e gravar na memória quando eu era criança porque me serviria na vida).
Não é fácil ir para longe, ficar distante da família, dos amigos e da própria terra. Morar no exterior comporta dificuldades inimagináveis. Porém, sinto-me privilegiada porque onde quer que eu esteja, Itália ou Brasil, me sinto amada.
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