Por Milton Furquim, Juiz de Direito, Vara Civil Infância e Juventude da Comarca de Guaxupé
Refleti e relutei muito de escrever este artigo pensando nas vítimas do COVID 19, das perdas irreparáveis de seus familiares. Sei que serei
intensamente contestado. Mas, faço desta reflexão minha homenagem as mais de duzentas mil almas que se foram. Estamos sujeitos ao mesmo risco!
Ultrapassado os períodos das “festas” (Natal, Réveillon, etc.), a exemplo de Belo Horizonte, começam a pipocar decretos municipais determinando o fechamento (lockdown) dos estabelecimentos comerciais e de serviços ditos não essenciais.
Como todo ato administrativo, exige-se observância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, do ato formal suficientemente justificado e fundamentado. Assim, para surpresa de ninguém, tais decretos são “justificados” nas festas do final de ano que resultaram no aumento de pessoas contaminadas pelo coronavírus, sobrecarregando o sistema de saúde
e o crescimento exponencial da ocupação de leitos especiais e UTI dos hospitais.
Entretanto, alguns questionamentos me ocorrem e não consigo respostas plausíveis. Principalmente, pela ausência de informações que nos permita uma análise mais profunda dos fatos. Aqueles boletins diários COVID-19 são insuficientes e, na maioria das vezes, mal interpretados.
Desde o início da pandemia, faço registro diário destes boletins numa planilha que me permite algumas análises. Claro que desprovidas de rigor
científico. Aliás, este pensamento é de um leigo que, como muitos, procuram respostas.
É verdade que no período da pandemia até o final de 2020 houve o auxílio emergencial que custeou, ainda que parcialmente, aproximadamente
70 milhões de pessoas (autônomos, pequenos comerciantes, etc). Custeou 70% da folha de pagamento das empresas. Prorrogou e parcelou os encargos. Liberou empréstimos para Capital de Giro.
Enfim, o empresariado só não “quebrou” e, também, muitas pessoas sobreviveram, por conta do socorro do Governo Federal.
Mas, como o Presidente vem reiteradamente avisando, não há mais recursos para custear tais auxílios. O país precisa retomar sua capacidade produtiva – econômica.
Voltando ao tema, os decretos atuais “justificam” as medidas responsabilizando a sociedade pelas “festas do final de ano”. Então, vamos às responsabilidades:
As alegadas “festas” ocorreram em todo o período daquele lockdown.
Eram constantes as notícias de festinhas de aniversário, peladas de futebol, churrascos, feriadões prolongados em chácaras de veraneios, etc.
Por falta de informações precisas, boatos corriam de que esta ou aquela pessoa teria contraído o coronavírus naquelas “atividades”. Outras, vítimas deles porque trouxeram a doença para casa, contaminando àqueles que se mantinham reclusos porque eram do grupo de alto risco.
A pandemia teve início em março passado, seguida de decretos estatuais e municipais determinando o fechamento de indústrias, comércios (não essenciais) e, absolutamente, todas as atividades de serviços. Desde então as autoridades alertavam: “o pico será em abril”.
Depois, maio, junho, julho e agosto. Até que, num passe de mágica tudo acabou! Coincidentemente, com o período da Campanha Eleitoral.
Desfizeram-se as barreiras sanitárias, revogaram os decretos; autorizaram a reabertura daqueles que conseguiram sobreviver aos seis
meses daquelas draconianas medidas restritivas nunca – efetivamente – fiscalizada. Tudo era meros paliativos, quase sempre “contornadas” por favores individuais.
Muitos faliram! Outros tantos fecharam seus estabelecimentos, desistiram de suas atividades, porque não suportaram as despesas contínuas,
desprovidas de qualquer receita. No entanto, vê-se agora que os decretos atuais, responsabilizam a sociedade pelas “festas de final de ano”.
Não é verdade. Talvez, meia verdade!
O fato é que, como o coronavírus “entrou de licença-eleitoral” a revogação daquelas medias (paliativas) transmitiu à sociedade a sensação de
que o vírus estava contido (oxalá extinto) e, gradativamente, percebeu-se o relaxamento dos cuidados necessários preventivos do contágio.
Já no final da campanha eleitoral corria o boato que, no dia seguinte as eleições, o “lockdown” retornaria. Não aconteceu! Talvez o propósito dos não- reeleitos de empurrar o problema ao próximo prefeito. Aquele reeleito para “não ficar mal na fita” esperou as festas do final de ano para conseguir o pretexto de que tanto necessitava: “as festas do final de ano”.
Agora se desculpam: “Mas serão apenas alguns dias”. Ocorre que, naquele período anterior houve o socorro governamental. Agora, não! Então,
quem vai pagar a conta?
Fecham os estabelecimentos “não essenciais” por uma semana, quinze dias, um mês talvez. Mas, as despesas persistirão! O empresário – empregador, não poderá demitir e arcará, sozinho, com os custos da folha de pagamento de seus empregados e os encargos tributários.
O indivíduo continuará circulando, indo ao “estabelecimento essencial”, ou, simplesmente exercendo seu direito de ir e vir. O motoboy continuará circulando até sua casa para lhe entregar a encomenda (delivery).
Os empregados das atividades essenciais continuarão trabalhando. Mas, e aqueles que foram dispensados do trabalho (remunerado) que, “in tese”, deveriam permanecer em casa (não circular) para, pelo menos, diminuir a
propagação do vírus, cumprirão este dever?!
Qual o compromisso da autoridade sanitária de que as festinhas de aniversário, peladas de futebol, churrascos, feriadões prolongados em
chácaras de veraneios de antes, agora não ocorrerão?
Como ressalvado, a falta de informações, leva-nos dar créditos àquelas notícias de que, pelo menos, a maioria dos contágios ocorreram naquelas “festinhas”. Pessoas que delas participaram e transmitiram aos familiares ou quem deles se aproximaram.
Quais as provas (evidências científicas) que comprovam que as atividades “não essenciais” são propagadoras do coronavírus?
Quais as provas, (evidências científicas) de que as medidas sanitárias adotadas pelos estabelecimentos: exigências de máscaras, luvas plásticas, álcool gel, sanitários adaptados com todas medidas de higiene pessoal, sejam
insuficientes para conter a propagação do vírus?
Porque, na quase maioria absoluta, pessoas relataram a contaminação em outras atividades e não se tem notícias de denúncias de estabelecimento comercial ou de serviço como agente propagador do coronavírus.
Como dito, os atos atuais decretos estão atribuindo culpa à sociedade (festas do final de ano) mas nada informam a respeito do que a Administração efetivamente fez para evitá-las. Sequer fiscalizaram! Salvo raríssimas
exceções.
Outra questão que coloco à reflexão:
Segundo informes do Tribunal de Contas da União no ano de 2020 ocorreram os maiores repasses de recursos aos Estados e Municípios, em níveis jamais alcançados em anos anteriores. Recursos vinculados ao combate da epidemia. As autoridades foram avisadas das probabilidades de novos surtos de contaminação.
Consequentemente, cabe indagar:
- Quais foram as medidas efetivas das autoridades sanitárias para enfrentar o atual aumento dos índices epidêmicos?
- Quantos leitos hospitalares (respiradouros e UTI) havia no início da epidemia e quantos existem atualmente, comprovando investimentos no aumento da capacidade hospitalar?
- Quais os investimentos efetivos, em testagens e medicações preventivas disponibilizada a população para conter ou, pelo menos, controlar o surto epidêmico?
- Enfim, que destino se deu aos recursos (prestar contas à sociedade)?
Proponho uma reflexão profunda de todos fatos e consequências para que não se imponha a uma parcela empresarial o “preço” e as “consequências” exclusivas pelos desvaneios de TODA sociedade e, principalmente, pelas OMISSÕES e/ou NEGLIGÊNCIAS das autoridades
sanitárias, que resultaram no atual estágio de contaminação do COVID-19.
É bem verdade que países europeus estão, novamente, adotando o “lockdown” como medida de conter o coronavírus. Porém, não podemos
ignorar a realidade social-econômica daqueles países, anos luz a nossa frente.
Nossas realidades, nossas necessidades são outras. Incomparáveis! Talvez, em vez de transferir à poucos a responsabilidade de todos, é
ora de inovarmos na busca de alternativas menos ditatoriais, desprovidas de fundamentos fáticos e evidencias científicas, responsabilizando - exclusivamente – um pequeno segmento da sociedade.
Fechar, por simplesmente fechar, sob pretexto de diminuir o número de internações hospitalares, é comodismo irresponsável da Administração.
Com o decorrer destes meses a comunidade médico – científica aprendeu como melhor lidar com este vírus. Já se diz que as medidas
sanitárias, se bem observadas, são eficazes.
Assim, necessário o estudo e adotar alternativas ao fechamento das atividades empresariais e de serviços.
Análise com maior profundidade de cada uma delas, avaliando qual o efetivo grau de risco de contaminação.
Que sejam adotados protocolos específicos compatíveis a cada atividade, recomendando uso de outros equipamentos de proteção individual (EPIs – COVID 19) que, se antes houve escassez no mercado, agora estão plenamente disponíveis. Agendamento prévio de clientes. Limitação de
acessos de clientes em função da área do estabelecimento. Sistemas de ventilação. Áreas e equipamentos de higiene individual. Enfim, na internet há uma enorme gama de informações a propósito.
A Administração deve ser presente, através da Vigilância Sanitária, de nos estabelecimentos, nas ruas e avenidas da cidade e distritos, exercendo
uma efetiva atividade – Poder de Polícia – de fiscalização, exigindo observância das medidas sanitárias e preventivas de contaminação.
Passear, diuturnamente, com as viaturas da VS não caracteriza e, tampouco, transmite à sociedade consciência de fiscalização. Apenas um gasto questionável e desnecessário. Deve ser presencial, firme, atuante e eficaz!
Trabalho de conscientização voltada, principalmente, aos jovens adolescentes, evitando aglomerações nas praças e outros locais, impondo, inclusive, limites de horários de circulação a noite.
A propósito, não só a Vigilância Sanitária, mas, também, a presença do Conselho Tutelar para coibir a presença de menores desacompanhados de seus responsáveis, inclusive consumo de bebidas alcoólicas que se vê a cada
esquina. Portarias do Juizado da Infância e Juventude sempre foram ignoradas. Jamais observadas!
Análise e investigação profunda de cada pessoa contaminada, buscando identificar as origens – fator de contaminação – agindo de forma firme e segura na responsabilização administrativa e criminal de quem der causa a
propagação do vírus de forma irresponsável e voluntária (pelo menos consciente dos riscos).
Se há culpados, que todos respondam!
Será que medidas como propostas e outras que, certamente, a comunidade médica recomendar, não sejam mais efetivas que o “lockdown”?
Desta vez, entendo necessário o aprofundamento dos estudos jurídicos para assegurar a quem padecer das inconsequências de todos, seja reparado (indenização).
É a reflexão que faço dos fatos, reiterando meus sentimentos e solidariedade a todos que perderam seus entes, vítimas deste odioso vírus.
Salvo melhor juízo.
Milton B. Furquim, juiz de Direito
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